terça-feira, 21 de abril de 2009

Conferência Nacional de Educação – qual será o centro do debate? (parte 4)

Oficializar, responsabilizando-se e constituindo o novo Sistema Nacional de Educação

Têm chamado a atenção dos leitores deste artigo algumas questões que resumiriam as reais preocupações do autor sobre o tema central em debate na Conferência Nacional de Educação: como constituir um sistema nacional integrado levando em conta os entraves históricos que entrelaçam a educação brasileira? Durante as três primeiras partes deste artigo fiz questão de ressaltar alguns elementos que precisam ser evidenciados, o que requer posicionamentos sobre uma possível continuidade, ou a sua necessária superação ao enfrentarmos os problemas da educação pública.

O primeiro apontamento que fiz chama a atenção para o resgate da autoridade do Estado frente ao compromisso de desenvolver plenamente a educação brasileira. Num segundo momento busquei destacar que a qualidade do ensino brasileiro tem-se constituído em uma preocupação constante, o que envolve não somente o Estado, mas também o conjunto da sociedade organizada que articula-se conforme os seus interesses mais imediatos.

Dentro disto, salta aos olhos a articulação histórica envolvendo os interesses privados em confronto permanente com o campo da defesa da educação pública e progressista, e que a oficialização educacional brasileira tem, sistematicamente, favorecido os interesses privados, principalmente no que diz respeito aos mecanismos legais que constituem o sistema atual de educação brasileira. Comprova-se esta "opção brasileira" nas atuais legislações educacionais, que são fortemente inspiradas nas idéias da pedagogia das competências, do neotecnicismo, neoconservadorismo e da pedagogia corporativa.

Para não ficarmos só na identificação de problemas é preciso superar algumas limitações do campo progressista e retomar com força o debate do caráter público, com referência social para a educação de massa brasileira. Sendo assim, um mito brasileiro precisa ser superado: o da escola como o centro dos problemas da educação do povo. Desde o Brasil colônia a instrução, seja ela feita através da educação jesuíta ou através da ilustração doméstica ou mesmo no modelo educacional do Brasil Império, tem se constituído num processo de oficialização seguido de desresponsabilização. O que seria este processo? No país, muito antes da chegada da Família Real em 1808, mas principalmente depois deste fato histórico, sempre existiu um forte debate sobre a instrução do povo.

O debate educacional não só era algo candente entre a sociedade brasileira, como também haviam diversas e profundas experiências sobre conteúdos a serem ministrados, a organização da escola, a forma curricular, a discussão das modalidades de instrução, etc. O pombalismo, que orientou boa parte do início deste processo, poderia ser definido como um "iluminismo português", e isso nos mostra que Portugal não estava isolada das grandes discussões que permeavam o europa do século XVIII e, portanto, lógico que com a vida da Família Real, grandes discussões também atracaram em terras brasileiras.

Em meio a formação do Brasil Império, houve por aqui uma forte disseminaçãodo objetivo de constituir uma educação para todo o povo, sendo inclusive isto determinado através de aparatos legais que a determinavam a escolarização como de caráter público e de responsabilidade estatal. O Ato Adicional de 1834 já determinava que toda a província deveria oferecer educação primária para todos. Ou seja, desde as primeiras constituições brasileiras, sempre houve um forte debate para a oficialização da educação brasileira, o que nem sempre se constituia em responsabilidade pública perante o problema.
Mesmo permanecendo um modelo de Estado centralizador, a abstenção deste foi uma marca presente no que dizia respeito aos interesses locais e, concomitantemente, aos interesses educacionais. Então o Estado centralizador tratava de oficializar a educação através de leis ao mesmo tempo em que se desresponsabilizava, atribuindo a aplicação destas aos poderes locais. Ou seja, o Estado agia ao mesmo tempo que precarizava. Cada vez mais eram desenvolvidas leis complexas, mas sem um compromisso público para a sua real implementação. Essa é a marca fundadora da educação brasileira - uma dispersão sistêmica oficializada pelo Estado. A esta altura o leitor já deve estar comparando estas questões com a escola brasileira contemporânea. Quantas leis foram desenvolvidas sem a sua plena implementação? Querem exemplos? Constituição Federal de 1988:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; (grifo do autor)


Quem garante a aplicação integral do que determina a Constituição Federal? Em nosso país a garantia destes direitos tem se dado, salvo exessões, somente através do esforço individual de cada pessoa que ousa buscar o acesso pleno à educação pública. E todos nós sabemos que este esforço individual sempre esbarra nos límites econômicos e de classe que cada indivíduo carrega consigo.

Portanto, assim consigo chegar aquilo que tenho apontado como o tema central da Conferência Nacional de Educação: não nos bastam mais somente legislações e dispositivos legais que determinem as tarefas da sociedade e do Estado frente ao resgate do papel histórico da educação brasileira. É preciso atribuir funções a cada membro da sociedade, e que estes assumam seus compromissos e contribuam para a consolidação de marcos de controle público para a sua real implementação. É aí que surge um debate que precisa estruturar o Sistema Brasileiro de Educação - quais são as modalidades de ensino brasileiras? Quais destas serão obrigação do Estado? Qual é a tarefa central da escola brasileira? O que será realizado por fora da escola e quem assumirá esta responsabilidade? Aqui que se fundamenta a autoridade do Estado para apontar caminhos, sejam eles legais ou pactuados entre a sociedade brasileira que desenharão o novo Sistema Nacional de Educação.

A partir destas perguntas que me debruçarei e tentarei contribuir para o debate de uma nova arquitetura da educação brasileira, o que será tema da continuação deste artigo.

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